Arquivo do mês: outubro 2010

Todd Solondz fracassa

Quem acompanha o blog sabe do carinho que tenho pelo cineasta americano Todd Solondz. Ironia, sarcasmo, violência psicológica, senso de humor doentio e ousadia em abordar temas considerados tabu são alguns dos traços da assinatura estética do diretor.

No Festival do Rio, o realizador foi representado por “A vida durante a guerra” (2009), que estreia no circuito comercial dia 19 de novembro, pela Imagem Filmes.

Infelizmente a produção passa longe do brilhantismo autoral de “Bem-vindo à casa de bonecas” (1995) e “Histórias proibidas” (2001), e frustra a expectativa de quem esperava ver o cronista da esquizofrenia dissimulada da classe média americana em sua melhor forma.

Tentativa malsucedida de emplacar uma continuação de “Felicidade” (1998) – que muitos apontam como a obra-prima da cinematografia de Solondz −, “A vida…” não consegue transcender sua matriz e desliza na sina das franquias: as sequências (na maioria esmagadora das vezes) deixam a desejar. Estaciona no plano da mediocridade.

A narrativa retoma o cotidiano das irmãs Jordan, que servem de amostra para que Solondz exerça sua alquimia reversa e transforme ouro em algum tipo de material radioativo. Aos poucos, o veneno do diretor deteriora a hipocrisia moral e revela uma sociedade profundamente transtornada.

Os subúrbios americanos, retratados como verdadeiros depósitos de traumas e perversões escamoteadas, são terreno fértil para os exercícios estéticos ácidos de Solondz, o Pasolini do american way of life.

Desta vez a história traça um paralelo entre o que aconteceu com as irmãs-protagonistas Joy, Trish e Helen, interpretadas neste novo filme por Shirley Henderson, Allison Janney e Ally Sheedy respectivamente, e o legado de perturbações psíquicas que seus círculos de relações sociais e familiares (principalmente os filhos de Trish) herdaram.

O H2SO4 (ácido sulfúrico) estético derramado por Solondz no verniz que disfarça o poço de neuroses e falsa moralidade no qual se afoga a classe média ianque não teve o mesmo efeito corrosivo de “Felicidade”. Talvez por ser uma fórmula gasta, explorada sem maior criatividade. O filme mais parece uma obrigação contratual (caça-níqueis) da qual o diretor quis se livrar logo.

Alguns diálogos depressivo-inteligentes (que nos forçam a ler nas entrelinhas), marcas da excelência de trabalhos anteriores, salvam determinadas cenas e impedem “A vida…” de ser um fracasso total, mas é só. Doeu no coração ter de escrever tudo isso…

Carlos Eduardo Bacellar

1 comentário

Arquivado em Carlos Eduardo Bacellar, Fuja dessa roubada!!!

E tem mais poesia em 140 caracteres do #FestivaldoRio

Galera, desculpem o atraso. A promessa de publicação era de 5 em 5 dias, mas a minha (mais do que festejada) alegria de eleger o Lindberg Senador pelo Rio de Janeiro unida à minha (mais do que revoltante) amargura pela não eleição da Dilma no primeiro turno me afastaram do espaço virtual.

Voltando à ocupação #FestivaldoRio, vejam algumas das “pérolas” em 140 caracteres encontradas na hashtag. Valerá para afastá-los de bizarrices nos próximos dias e aproximá-los dos títulos que devem ser conferidos na repescagem ou na distribuição em salas do circuito exibidor.

‘Bróder’ tem uns exageros, principalmente no uso de trilha sonora, mas é acima dos filmes de favela recentes. #festivaldorio
andymalafaya

‘Você vai conhecer o homem dos seus sonhos’ é sem inspiração, indiferente. Mais uma bola fora do Woody. #festivaldorio
Em noite em que todos esperavam Woody Allen, eis que rouba a cena Daniel Ribeiro. O garoto é foda! #festivaldorio
#festivaldorio “boca do lixo”: peréio, porra ! e daniel de oliveira mais uma vez dando um show de interpretação.

#festivaldorio “histórias reais de um mentiroso”: o melhor documentário do festival, sem dúvida nenhuma.
Filmaco o “carancho”. Ricardo darin fazendo papel de bandidao esta o maximo. Cinema argentino arrasando. #festivaldorio
#FestivaldoRio Diletantismo de Kiarostami, CÓPIA FIEL parece um Resnais menor. Qual será o original? Binoche brilha mais que tudo no filme

“Cópia Fiel” é um absurdo. Se não for o melhor, figura entre os grandes filmes do ano. #FestivaldoRio
“budrus”, de julia bacha, é fantástico! uma bela demonstração do poder da força de vontade e das manifestações pacíficas. #festivaldorio
“norberto apenas tarde” foi fofo, interessante e engraçado em alguns momentos, mas infelizmente não decolou #festivaldorio
Tio Boonme não me agrada esteticamente e não me diz absolutamente nada. Apichatpong é, na minha opinião, uma invenção.  #festivaldorio
Cópia Fiel tem tda uma discussão mto primária sobre index/duplos, além de uma ‘virada’ questionável. Binoche maravilhosa.  #festivaldorio
Destricted.br tem somente 1 curta minimamamente interessante (apesar de escatológicamente dispensável). O resto é fraco  #festivaldorio
Norberto Apenas Tarde é de uma simplicidade encantadora. Ao mesmo tempo, poderia ser mais ambicioso.  #festivaldorio
Memórias de Xangai é um doc quadradão misturando arquivo, entrevistas e ficcionalização sobre Xangai. MUITO longo.  #festivaldorio
Bati recorde de filmes em um só dia nesta edição do #festivaldorio: 5 (mas o recorde de tds os tempos ainda é 7, 3 anos atrás)
#FestivaldoRio Gostei do finlandês “O ciúme mora ao lado”, uma comédia sobre tema universal: divórcio. Surpresa na música final.
Gente, fiquei extasiado com ‘A Regata’! … Que filme lindooo! Há tempos não me emocionava no cinema! #FestivaldoRio
“Machete” é o filme mais inteligente, político, redondo e fodão de Robert Rodriguez. Do caralho. #festivaldorio
pulei fora do “Memórias de Xangai”. Documentário com velhinhos chineses contando suas histórias que só interessa a eles #lixo #festivaldorio
“O Homem do Lado” é uma bela comédia o tempo todo. Sua cena final amplia o negócio. #festivaldorio
#FestivaldoRio “Culturas de Resistência” faz salada de ativismos ao redor do mundo. Boas intenções, medianos resultados
Assisti “O Louco Amor de Yves Saint Laurent”.Lindo e emocionante o relato de Pierre Bergé.Que bonita foi a história dos dois! #festivaldorio
#festivaldorio “é candeia”: não necessariamente é um filme sobre candeia e sim um making of do musical sobre o mesmo. qualidade técnica ruim
Tentei evitar docs mas nao resisti a “blank city”, ainda bemm! Foi otimo rever aquela gente louca do underground novaiorquino #festivaldorio
“Senhor do Labirinto”:Bauraqui e Irandhir seguram o filme,que não decola. Só podiam ter caprichado um pouco mais na maquiagem #FestivaldoRio
“Somewhere” também não empolga. Parece filme de apartamento da uff, só que em Hollywood e fazendo auto-crítica. #FestivaldoRio
Na quinta, assisti Malu de Bicicleta, de Flávio Tambelline. Temática recorrente sobre o amor, mas bem trabalhada. Vale a pena.#festivaldorio
“Somewhere”, da Sofia Coppola, é um ótimo filme, dos que eu vi, acho que está no top 2 do #FestivaldoRio.
#FestivaldoRio Somewhere, de Socia Coppola: …………………………………………. aparece uma menina e QUASE salva o filme.
#FestivaldoRio “Rio Sex Comedy” é a maior bobagem do Festival. E eu nem preciso assistir a tudo pra ter certeza disto.
‘Somewhere’ é cheio de cacoetezinhos do cinema pós-moderno. Não passa de mero exercício de estilo.  #festivaldorio
‘O Senhor do Labirinto’ é biografia preguiçosa do grande Artur Bispo do Rosário. Irandhir engole o Bauraqui em cena.  #festivaldorio
Rio Sex Comedy sem mais  #festivaldorio
#festivaldorio “o senhor do labirinto”: poderia ser melhor mas a interpretação de flávio bauraqui compensa, forte candidato a melhor ator.
#festivaldorio “rio sex comedy”: um equívoco, achei um desperdício de investimento e talento.
#festivaldorio “como esquecer”: muito além do rótulo “romance gay” que acaba limitando o filme. melancolia pura. mas tem arieta correa 🙂
“Somewhere”, da Sofia Coppola, redescobre o velho e bom cinema independente americano, que andava tão maculado. Lindão. #festivaldorio
Decepcionada com “nosso fantastico seculo 21”. Cheguei a dormir um bom pedaço. faltou ritmo e roteiro. Pena! #festivaldorio
“A Casa Muda” tem um belo começo, mas empaca na pretensão. #festivaldorio
Cópia Fiel é Abbas brincando com simulacros e identidades. #festivaldorio
A Empregada é uma releitura mezzo kitsch dos filmes de intrigas familiares. Resultado: filmão. #festivaldorio
Todd Solondz continua um idiota. E tem um monte de gente que gosta. #festivaldorio
“Monstros” é uma surpresa adorável. E tem uma cena final lindíssima. #festivaldorio

Duvido que algum documentário do #FestivaldoRio seja tão bom quanto NOSTALGIA DA LUZ. Se pudesse, não voltaria ao cinema por 3 meses.
#FestivaldoRio Dos ossos humanos às estrelas, NOSTALGIA DA LUZ faz um brilhante e comovente ensaio sobre passado, memória e História
Delicia de filme o argentino quebra-cabeca. Dona de casa descobre dom e participa de campeonato de quebra-cabecas. #festivaldorio
Belo filme o patagonia. Personagens interessantes, belas paisagens e que trilha sonora. Otima surpresa #festivaldorio
#FestivaldoRio Não percam RESTREPO, o melhor doc intimista sobre guerra que vi até hoje. Aliás, o único. Filmaço
Não gostei muito de “A culpa é sua”. A história é boa, poderia ser aproveitada de forma diferente. #FestivaldoRio
“route irish” é um filme tradicional, sóbrio, correto. bem conduzido pelo ken loach, mas muito correto pra mim.. #festivaldorio
#FestivaldoRio Ken Loach recupera o punch com ROUTE IRISH e mostra a tragédia dos viciados em violência.
‘Como Esquecer’, hummm, difícil evitar o trocadilho. Tá difícil essa Premiere Brasil, viu?  #festivaldorio
‘Dois Irmãos’ é uma pequena história belamente contada, com dois ótimos atores.  #festivaldorio
‘Hiroshima’ tem planos lindos e é bastante surpreendente, porém aquém de ‘Whisky’.  #festivaldorio
#festivaldorio e vik muniz desfilou sua simpatia pelo galpão hj, humildade e talento lado a lado #lixoextraordinário @lixofilme
#festivaldorio “jean-michel basquiat: a criança radiante” mesmo para os que conhecem quase tudo sobre ele, o doc vale muito pelas imagens.
#festivaldorio “trampolim do forte” e as crianças (pesadelo de todo diretor) se saem muito bem na atuação.
#festivaldorio “trampolim do forte”: algo q me chamou a atenção é q o azul está p/o filme tanto quanto o vermelho está p/amélie poulain !
“América”, excelente filme. mas dou um guito pra quem não se embaralhar com tanto idioma e legenda #festivaldorio
Filmaco “route irish” do ken loach. Também sou suspeita, adoro esse cara. #festivaldorio
Falei que “Isto é o amor” é sublime. Lembro: belo é o que nos traz felicidade, sublime é o que nos causa incômodo. #FestivaldoRio
“Minhas Mães e Meu Pai” eu assisti ontem. Comecei com o pé direitíssimo. Filme incrível! Atuação fantástica de todo o elenco. #festivaldorio
#FestivaldoRio ROUTE IRISH = privatização da guerra que, almejando lucros a qualquer preço, putrefaz os valores morais e descrimina o Estado
#FestivaldoRio “Lixo Extraordinário” faz jus ao nome. É extraordinário! Belos personagens, bela mensagem, belo trabalho, Vik Muniz belo!
#FestivaldoRio “Com “Malu de Bicicleta” eu desencanei (para todo o sempre) de entender os homens. Boas risadas e Fernandinha arrebenta!
#FestivaldoRio Desidratei com “José & Pilar”. Documentário lindo que dimensiona Saramago na busca pela eternidade.
“Elvis e Madona”, mais um bom filme do #festivaldorio – inspirado num livro do @biajoni
#FestivaldoRio: Monstros: baixo orçamento fez filme mais humano, com casal com ótima química, mas confesso que senti falta de catástrofes.
#festivaldorio “lixo extraordinário”: doc + emocionante do festival. ovacionado pelo odeon lotado ! vik muniz gênio … não percam !
#festivaldorio “malu de bicicleta”: tão legal que vi 2 vezes. grande texto do marcelo rubens paiva, grande interpretação do marcelo serrado.
#festivaldorio “solidão e fé”: mesmo quem não curte o universo dos rodeios (como eu) acaba simpatizando com o doc
Trampolim do Forte é filme ‘denúncia’ q, consegue, no máximo, constranger. Fotografia publicitária e bons atores mirins  #festivaldorio
Libano eh um filmaco. Tenso e repleto de imagens fortes. Boa surpresa da noite. #festivaldorio
Assisti hoje pelo #FestivaldoRio, um filminho italiano muito simpático, “Mine Vaganti”.
#FestivaldoRio O ÚLTIMO TREM PARA CASA mostra o custo humano do crescimento chinês. Capitalismo de massa, famílias despedaçadas
Casal sem química+piadas razas+péssimo roteiro+machismo+peitos falantes+sabonete com pentelhos= “Malu de Bicicleta” #festivaldorio
Assisti Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right). Fantástico! Juliane Moore maravilhosa, pra variar um pouco. Assistam! #festivaldorio
#FestivaldoRio ‘Líbano’ midiatiza a guerra pelo periscópio frio de um tanque em cujas entranhas de metal é incubada a contradição humana.
Bom filme o argentino “o mural” roteiro, elenco e producao impecavel. #festivaldorio
#FestivaldoRio: A favor de LÍBANO: o tanque de guerra vira câmera de cinema e quase um ser vivo. Mas o Leão de Veneza superestimou isso
#FestivaldoRio Contra LÍBANO: O drama dos soldados israelenses importa mais que suas vítimas. A claustrofobia de um filme autocentrado
Ontem, mais Première Brasil: Malu de Bicicleta. Não surpreendeu… Mas amigas editoras acharam boas a montagem e a fotografia #festivaldorio
#FestivaldoRio: A Empregada: melodrama coreano c/ humor fino e sensualidade. Estava indo bem até o final, bizarro demais. Mas valeu.
#FestivaldoRio Elvis & Madona: Não gostei da trilha, da montagem, das atuações, com exceção da belíssima Igor Cotrim. Mas o público gostou
#FestivaldoRio Elvis e Madona: um comentário com 140 caracteres é MUITO mais difícil quando você decididamente não gosta do filme.
‘Malu de Bicicleta’ é um filme que não acontece nunca e que se deixa levar pelos piores clichês ao final. #festivaldorio
A história de VIPs é muito boa, mas Wagner Moura está absolutamente brilhante fazendo ‘cinco’ no mesmo filme. Sou apaixonada. #festivaldorio
Elvis e Madona muito foda, parabéns ao diretor Marcelo Laffite pela ousadia #FestivalDoRIo
“Isto é o amor” me surpreendeu. É uma obra sublime, no sentido literal. O cinema alemão acaba de ganhar mais uma apaixonada. #FestivaldoRio

The Housemaid… Bem filmado, estilizadíssimo, atuações excelentes.. mas ainda falta alguma coisa #festivaldorio
#FestivaldoRio LOS LÁBIOS fica no puro fetiche do jogo doc-fic, mas não consegue produzir nada com isso. Uma pena para as boas atrizes
#FestivaldoRio BEBÊS não é só um filme bilu-bilu gracinha. Criou também a etnografia lactente: Conheça o mundo através de 4 nenéns
hj assisti “bebês” (achei chato, mas as pessoas pareciam estar gostando) e “of gods and man” (legal, mas meio cansativo) #festivaldorio
Na abertura, não consegui avaliar se A Suprema Felicidade, do Jabor, é bom ou ruim. A única certeza: Marco Nanini arrasa. #festivaldorio
#FestivaldoRio OF GOD & MEN é sóbrio e bem interpretado, mas elogia racionalismo democrático europeu contra “bárbaros” árabes
Vendo + um doc no #festivaldorio agora “the cove” sobre a matanca d baleias e golfinhos. Acabei d comer num japa, será q vai dar certo isso?
“Rio Sonata”: documentário simples, que te faz lembrar que o Rio é muito lindo e que a voz de Nana Caymmi é apaixonante! #festivaldorio

Helena Sroulevich

4 Comentários

Arquivado em Helena Sroulevich

Kiarostami sofistica gramática estética empreendendo busca metafórico-filosófica pelo sentimento gerado do amor seminal

Em homenagem ao repórter e crítico de cinema Rodrigo Fonseca, fonte de inspiração e motivação permanentes

Em seu livro Cinema – Entre a realidade e o artifício (2ª Ed., 2007), no capítulo dedicado ao cineasta iraniano Abbas Kiarostami, o crítico de cinema Luiz Carlos Merten diz que, “quando Kiarostami começou a surgir na Europa, no final dos anos 1980, o cinema que dava as cartas nos grandes festivais e no circuito de arte-e-ensaio internacional era o chinês, com Zhang Yimou à frente.” O autor chinês, segundo Merten, “beneficiava-se da beleza de sua mulher na época, Gong Li, que colocava no centro de suas investigações sobre o patriarcalismo da sociedade chinesa tradicional. E no mesmo parágrafo o crítico continua, sublinhando que “Kiarostami não tinha uma mulher tão bonita em seus filmes para torná-los atraentes.”

Merten, ele não tinha. Em “Cópia fiel”, uma das coqueluches do Festival do Rio, Kiarostami determina a revisão obrigatória desse trecho de capítulo para a próxima edição do livro.

Com a estrela francesa Juliette Binoche − laureada este ano em Cannes por sua atuação (desconstrutiva da personalidade) ao estilo “Síndrome de Caim” (1992) − como protagonista de sua metáfora emotivo-afetiva arquitetada com base no ensaio filosófico de Walter Benjamin acerca da reprodutibilidade da arte, o cineasta iraniano afasta, definitivamente, a ausência de beleza das suas produções.

Em “Cópia…”, a estonteante Binoche (basta ela sussurrar palavras em francês em nossos ouvidos para conseguir o que quiser), interpretando Elle, envereda pelos desdobramentos da intrincada disposição origâmica de um relacionamento imaginário com o escritor James Miller (William Shimell), autor de livro (homônimo ao título do filme) no qual defende a ideia de que as reproduções de arte são tão boas quanto as matrizes originais, refutando a perda (negativa) da aura propalada pelo pensamento de Benjamin.

Imersa nas atribulações mais prosaicas da vida, e em busca de algo mais autêntico e original do que sua rotina-de-mãe-solteira, Elle vai de encontro ao pensamento do escritor.

A partir desse momento, Kiarostami, o mestre dos baixos orçamentos, caudatário do neorrealismo italiano – tendo por hábito reduzir sua participação ao mínimo para que o espectador tenha a liberdade de ver, na tela, a vida como ela é −, apela para o conceito de status da sociologia para explorar as facetas (ambíguas e contraditórias) dos protagonistas no entendimento da polarização do relacionamento imantado pelo tempo.

Minimalista, com toda encenação baseada no discurso, “Cópia…” arregimenta o talento de Binoche para arrastar Shimell com ela e colocá-los nos antípodas do afeto representado. Afeto que sofre transformações ao ser distanciado do conceito de amor seminal (original?), conceito que a discussão (uma verdadeira DR em diferentes línguas) dos protagonistas − envolvendo (falsas?!) memórias, histórias, desejos, expectativas e famílias − procura reencontrar (deixou de fazer sentido o que é verdadeiro?).

O filme causará estranhamento em quem não conhece a cinematografia do diretor. Como em “Onde fica a casa de meu amigo?” e em “E a vida continua…”, Kiarostami narra a apoteose da oralidade na empreitada de buscas.

O diretor refinou seu estilo ao longo dos anos. Merten destaca que o iraniano “não inventou o metacinema, o cinema crítico de si mesmo, a linguagem usada para discutir a própria linguagem, mas consegue dar uma lição perfeita sobre o que seja isso [em “Através das oliveiras”]. […] Kiarostami, que já havia mostrado que a vida continua, faz agora um filme dentro de um filme […].”

Em seu novo longa, o realizador sofistica sua gramática estética e envolve o espectador novamente no labirinto da metalinguagem. A leitura de Merten (sobre “Através…”) pode ser espelhada para “Cópia…”: “Kiarostami desconstrói a noção de realismo e, ao mesmo tempo, contrói uma reflexão sobre o cinema como função imaginária, sobre aquilo que o olho da câmera registra e o espectador vê.”

Antagonizando no discurso os diferentes status encenados por Elle e James, Kiarostami fala sobre as contradições entre original/cópia, simplicidade/complexidade, filosofia/cultura popular, originalidade/falsidade poligamia (busca da satisfação na projeção desenfreada, nos outros, de desejos insatisfeitos ou pendentes)/monogamia (ater-se “ao original” como única opção moralmente aceitável) na tentativa não de compreender onde encontramos o essencial − do sentimento que nutrimos pelo outro − que foi extraviado pelas contingências (progressivo esmaecimento da aura/paixão), mas o que é essencial− o hoje ou o ontem?

“Cópia fiel” é uma obra tortuosa, sutil e inteligente. Encontra-se nos píncaros do experimentalismo estético, que tem como bússola a qualidade do diretor para não escorregar na autorreferência tornando impossível a empatia. Na minha opinião, consagra Kiarostami como um dos gênios da autoralidade – postura que desafia o comodismo do olhar (e do pensar).

Carlos Eduardo Bacellar

6 Comentários

Arquivado em Carlos Eduardo Bacellar, Filmaço!!!

Ressonância da ideologia das Cobras de Verissimo

“[…] O homem é essencial para qualquer conceito de universo. Sem ele, o universo existiria, mas não seria concebido. Este é o milagre do homem. Ele pode imaginar a infinitude terrível e assombrosa do universo, e mesmo assim não ter medo. Mas diante do mistério do tempo e da iminência da morte ainda consegue rir, trabalhar, criar… E amar. […]”

Trecho do diálogo entre os personagens Richard Burton (1925–1984) e Elizabeth Taylor no filme “Adeus às ilusões” (1965), de Lester Anthony Minnelli (1903–1986), diretor americano conterrâneo de Barack Obama, mais conhecido como Vincente Minnelli.

Nos créditos do roteiro salta aos olhos o nome de Dalton Trumbo (1905-1976), famoso pelo seu talento como escritor e por integrar, em 1947, época de caça às bruxas (leia-se supostos comunistas nas entranhas da indústria) promovida pela agenda macartista, a lista negra de Hollywood.

Lendo reportagem acerca do lançamento de livro em homenagem à tirinha As Cobras, de Luis Fernando Verissimo, comecei a imaginar que o roteirista hollywoodiano devia ter um serpentário em rebuliço permanente provocando sua massa cefálica.

Detalhe inusitado: Trumbo, Veríssimo e Harry Potter têm mais em comum do que possam imaginar.

Ambos são ofidioglotas (capacidade de falar e entender a língua das cobras).

Felizmente, fora do universo de J. K. Rowling, essa habilidade, explorada com competência pela ironia de Veríssimo e a filosofia sentimental de Trumbo, não é associada às forças das trevas, mas, sim, ao entendimento da realidade política, social e, no caso de “Adeus às ilusões”, complexo-afetiva que precisamos (ao menos tentar) interpretar sem vícios e preconceitos para um entendimento plural de quem somos e para onde vamos (ou para onde não vamos).

Leia aqui a matéria assinada pela Cora Rónai, publicada no jornal O Globo de hoje, sobre a antologia das Cobras de Veríssimo que chega às livrarias. O escritor merece o nosso carinho.

Carlos Eduardo Bacellar

Deixe um comentário

Arquivado em Carlos Eduardo Bacellar, Filmaço!!!

Em ‘Route Irish’, Ken Loach enfoca a privatização da guerra como princípio ativo que acelera a corrosão dos valores morais

A morte de quatro cidadãos americanos, em 31 de março de 2004, emboscados na cidade sunita de Fallujah − província iraquiana de Al Anbar, localizada 69 quilômetros a oeste de Bagdá −, um ano após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, desvelou ao mundo uma indústria milionária que se alimenta dos conflitos mundiais como um urubu se refestelando sobre carniça podre.

Os mortos na arapuca de Fallujah não eram civis, muito menos faziam parte do efetivo regular das Forças Armadas americanas. Eles integravam o segundo maior contingente em atuação na guerra do Iraque: um exército profissional de mercenários muito bem pagos, acima das leis civis ou militares e de qualquer código de conduta – que, principalmente aditivado pela política belicista da era Bush, ganhou cada vez mais espaço na agenda das agressivas “relações internacionais” dos EUA.

Toda a podridão que envolve a privatização do aparato militar americano, estratégia iniciada na administração de George W. H. Bush – e inflada por contratos oficiais de cifras milionárias com o governo, que só fizeram aumentar −, impulsionada pela paranoia pós-atentados de 11 de setembro de 2001, foi minuciosamente abordada no (essencial) livro Blackwater: a ascensão do exército mais poderoso do mundo, do jornalista investigativo americano Jeremy Scahill, o Caco Barcellos da terra do Tio Sam.

Para quem quer entender o que existe por trás da mobilização da indústria da guerra ianque em solo iraquiano (e não só), essa obra é fundamental.

Não sei se o diretor Ken Loach leu o livro, mas com certeza as ondas de propagação das consequências do trabalho jornalístico de Scahill, mesmo indiretamente, influenciaram o projeto de concepção de “Route Irish”, novo longa do realizador inglês e uma das produções mais concorridas do Festival do Rio.

Loach focaliza com suas lentes o calvário existencial do mercenário Fergus, interpretado por Mark Womack que, após perder o amigo de infância Frankie (John Bishop) – morte pela qual se sente responsável − em território iraquiano, utiliza seus próprios recursos e empreende investigação particular para determinar as circunstâncias exatas da tragédia.

Logo Fergus, auxiliado pela viúva de Frankie (Andrea Lowe), desencava o que poderia ter sido motivo para um assassinato, colocando em dúvida a tese de que o amigo teria sido morto numa emboscada terrorista na via que dá nome ao filme, a estrada que liga a Zona Verde (área de segurança fortificada, no centro da capital iraquiana, controlada pelas Forças de Coalizão) ao aeroporto de Bagdá, considerada os doze quilômetros mais perigosos do mundo: Frankie presenciou a execução a sangue-frio de uma família iraquiana por companheiros de combate, ação que foi gravada pelo celular de um habitante local e que, caso venha à tona, poderia por em risco as operações – muitas vezes duvidosas e sem tipificação legal − de empresas privadas que faturam cifras altíssimas com a indústria da guerra.

De posse das imagens, e perturbado por fantasmas de seus dias de G.I. Joe corsário do capitalismo, Fergus soluciona (ele acredita) em sua cabeça a ambiguidade do vídeo e parte para fazer justiça com as próprias mãos.

Tangenciando o maniqueísmo típico, Loach foge das armadilhas do discurso convencional – que, neste caso, apregoaria corporações malignas x heróis arrependidos em busca de redenção − e cria um labirinto de aparências e fragmentos de informação para, por meio da ótica de Fergus, tentar mapear a perniciosidade de tratar conflitos como oportunidades de lucro.

A obsessão de Fergus enfumaça seu discernimento, e a nossa segurança em rotular mocinhos e bandidos, e coloca em xeque a argumentação que delineia culpados.

O diretor, com o inteligente roteiro de Paul Laverty como argamassa, critica com acidez a política belicista americana atacando seus efeitos em pessoas comuns, que poderiam ser nossas vizinhas quando não estão com um fuzil na mão. Fergus expõe o que há de humano dentro dele ao ser empalado pela dor e, sem o cheiro de pólvora para inebriá-lo e a adrenalina bombeando em sua corrente sanguínea, assimila o que foi capaz de fazer (e o que foi capaz de perder) em troca de uma conta bancária mais gorda.

Empresas como as citadas no livro de Scahill enxergam nos conflitos internacionais mais um mercado a ser explorado − almejando lucros a qualquer preço.

A privatização do aparato militar nacional putrefaz os valores morais e descrimina o Estado por negligenciar suas (ir)responsabilidades constitucionais. Solução perfeita para os xerifes do século XXI, que querem manter sua estrela brilhando (sem nenhum vestígio de sangue) e as engrenagens da economia capitalista funcionando. O filme nos faz pensar.

Carlos Eduardo Bacellar

p.s. O cineasta José Joffily estava na sessão vespertina de “Route Irish” realizada ontem, dia 30/10. Se ele procurava ecos da estupidez ianque focada em “Olhos azuis”, encontrou. Não perguntei ao Joffily o que achou do filme porque ele não me aceitou como amigo no Facebook.

2 Comentários

Arquivado em Carlos Eduardo Bacellar, Filmaço!!!

Balanço parcial do Festival do Rio

Até o momento, cerceado por restrições e vicissitudes incompatíveis com minha paixão pelo ofício de Truffaut, conferi apenas cinco produções no Festival do Rio. Até o final da maratona pretendo assistir a, pelo menos, mais cinco filmes. Mas quantidade não é sinônimo de qualidade.

Apesar de, até agora, nenhuma realização ter me arrebatado, a árdua luta pelos ingressos foi recompensada com excelentes trabalhos. Já escrevi sobre alguns aqui no blog.

Vou destacar rapidamente mais dois, que talvez sejam os melhores da minha curta lista (só o tempo dirá):

“Líbano” (2009), de Samuel Maoz, filme que levou para casa, em 2009, o Leão de Ouro do Festival de Veneza.


Ambientado na época da Primeira Guerra do Líbano (1982), quando o exército de Israel resolveu invadir o território libanês, o filme desvela os horrores da guerra de forma inusitada. Praticamente toda encenação é sufocada dentro de um tanque de guerra israelense.

Nele (ou melhor, dentro dele), um grupo de militares (jovens recém-saídos de simuladores de jogos de guerra, que nunca atiraram em alguém que esguichasse sangue de verdade) recebe ordens de invadir território inimigo. O diretor midiatiza a guerra pelo periscópio frio de um veículo militar, submerso no sangue de centenas de corpos, em cujas entranhas de metal é incubada a contradição humana.

Ao mesmo tempo que distancia aqueles homens do que ocorre em campo, o ambiente claustrofóbico catalisa os conflitos de pessoas que querem sobreviver – e estão dispostas a tudo para isso, mesmo que seja necessário contrariar ordens, flertar com a loucura e se submeter ao ridículo − a um conflito que beira o incompreensível.

“Essential Killing” (2010), de Jerzy Skolimowski. Vincent Gallo, no papel do protagonista desse ‘No limite’ polonês, com pitadas de ‘Caçado’ (William Friedkin, 2003), arrebatou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza.


Vincent Gallo, o sujeito passivo de uma das cenas de sexo oral mais impactantes do cinema não pornográfico (“The Brown bunny, 2003), encarna de forma visceral um guerrilheiro afegão (Mohammed) capturado por tropas americanas após ter matado três soldados – o ator, “torturado” pelo diretor, que o colocou em situações extremas, agora verá seus órgãos sexuais procurarem refúgio em seu abdômen ao enfrentar temperaturas abaixo de zero. Levado para local não identificado, ele consegue fugir de seus algozes e se embrenha em terreno selvagem na busca desesperada da liberdade.

Precisando suprir as necessidade mais básicas do ser humano, Mohammed pressente a humanidade se esvair ao se transformar numa espécie de wolverine muçulmano. À procura de comida e abrigo, e digladiando-se contra as intempéries, ele, incapaz de se comunicar pelas diferenças de idiomas – no filme, Gallo só emite ruídos ininteligíveis −, se torna proficiente em mecanismos de defesa, relativizando seus valores morais para garantir que suas funções vitais não entrem na linearidade dos cemitérios.

Vivendo um Bear Grylls às avessas, Vincent Gallo tateia a cartilha ambígua de sobrevivência do sujeito à beira do precipício das privações.

Skolimowski, alijando seu personagem dos insumos capazes de saciar seus imperativos fisiológios básicos (e de sua dignidade), nos lembra da frase de Nietzsche que diz mais ou menos assim: “Quando você olha para o abismo, o abismo também olha para você.”

Ambos os filmes merecem registro, não podem passar em branco.

Carlos Eduardo Bacellar

Deixe um comentário

Arquivado em Carlos Eduardo Bacellar, Filmaço!!!