Laís Bodanzky atravessou loucura, filantropia, documentário, revoluções e saudosismo até chegar em “As melhores coisas do mundo”, filme que tira o retrato com câmera digital de adolescentes que estudam num colégio de classe média de São Paulo, e destila a carapaça formada por placas de autosuficiência e arrogância da (talvez) mais conturbada época de nossas vidas – depurando-a de todas as impurezas alegóricas indesejáveis, e encontrando as dúvidas que inundam os olhos de quem faz mais descobertas do que Jacques Cousteau.
Amparada pelo roteiro de Luiz Bolognesi – baseado na série de livros Mano, de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto −, Laís escreve, com suas lentes, a história de (Her)Mano, (interpretado por Francisco Miguez, a surpresa da temporada até agora), o típico projeto de gente grande, em doloroso processo de amadurecimento, que vê sua vida desafinar da mesma forma que as notas de seu violão.
Envolvido com os problemas peculiares da fase de maior ebulição hormonal do ser humano – a pressão para perder a virgindade, os conflitos e farras com amigos, os estudos, a paixão não correspondida pela menina gostosona do colégio, o contato com o cigarro e a bebida, o descompasso com os pais e por aí vai… −, que ganham proporções tsunâmicas quando se é menor de 18 anos, Mano precisa lidar com a dissolução de seu núcleo familiar: o pai (José Carlos Machado) resolve se separar da mãe (Denise Farga) ao assumir sua homossexualidade; o irmão (Fiuk) é largado pela namorada de fé, que o troca por outro, e entra numa depressão que corrói seu escudo de autoestima até níveis perigosos.
Laís, antenada com a geração que retrata, utiliza como amplificadores de saias justas o quadro de avisos do colégio e o blog criado por uma das alunas, que devassam a intimidade alheia.
O polivalente Eduardo Escorel (diretor, produtor, roteirista, montador e ator), em seu registro na Revista Piauí deste mês (edição nº 43), no espaço Questões Cinematográficas, faz análise inteligente do assunto, que merece transcrição:
“O colégio de ‘As Melhores Coisas do Mundo’, considerado um ‘Big Brother do mal’, soma às funções convencionais a de ser uma rede de intrigas […] Assim, uma das principais preocupações de Mano e seus colegas é terem questões íntimas divulgadas, passando a ser comentadas por todos. O colégio reproduz, desta maneira, em escala reduzida, o que ocorre fora dele: a difusão do que nem sempre é verdadeiro adquire tanta ou mais importância do que o fato em si.”
Além disso, alimentando mais ainda o bullying psicológico, algum maroto começa a espalhar fofocas via mensagem de texto para todos os celulares da escola. Pequenas bombas de hidrogênio em formato SMS, fatais no curto prazo para a reputação de qualquer um.
E essas atitudes são como gritos de alerta para aquela rapaziada. Talvez um grupo alienado, mais preocupado com viagens para Cancún, festas e outras atividades culturais realizadas pelo simples hedonismo vazio de quem troca um livro pelo videogame (ou pelo jogo de truco), a qualquer hora. Mano e seu grupinho acabam formando uma chapa para concorrer ao grêmio da instituição, num sopro fraco de conscientização – da parte de quem sentiu na pele o que é ser a bola da vez do escárnio da galera. Na apresentação das propostas − algumas utópicas, outras cômicas − sobrou até para o novo Acordo Ortográfico, que supostamente deveria unificar a ortografia de países de língua portuguesa, mas que é muito político e pouco prático.
Batendo no liquidificador a experiência de atores maduros – além dos pais de Mano, integram o time principal de adultos Caio Blat, Gustavo Machado e Paulo Vilhena − com o ímpeto e a ingenuidade dos novos talentos (destaque para a melhor amiga de Mano, Carol, vivida pela lindinha e talentosa Gabriela Rocha), Laís consegue uma vitamina interessante. Ao estabelecer essa convivência, a diretora, analogicamente, recria na linguagem cinematográfica a dificuldade silenciosa da comunicação entre pais e filhos. O primeiro grupo acha que já viveu de tudo, enquanto o segundo acha que sabe de tudo. Época em que (muitas vezes) reina a completa ausência de diálogo, paradoxalmente é o período no qual uma palavra é mais necessária do que nunca.
Voltando ao entendimento do Escorel, discordo de uma de suas conclusões. Ele acha que Laís apresenta uma visão atenuada dos conflitos.
“’As Melhores Coisas do Mundo’ contrasta com a experiência usual das famílias de classe média dos grandes centros urbanos, às voltas com conflitos agudos, levando muitas vezes a desenlaces trágicos.”
O senhor é meio sombrio, não é verdade, Escorel? Não estamos falando de “Kids” (1995) ou “Táxi Driver” (1976), muito menos de “Os Goonies” (1985). Laís Bodanzky trata com eficiência o recorte de uma situação, que por acaso fermenta entre alunos de um colégio de classe média. A vida não é uma equação matemática, de modo que não existe um roteiro pré-definido para ela. Pode terminar mal? Claro. E pode terminar bem? Sim, como também pode ter um desenlace morno. Por que não? Fica inverossímil? A trama poderia tomar corpo numa favela, mas não podemos reduzir ao mesmo denominador comum realidades antagônicas (ou quaisquer realidades). Apesar do meu comentário, feito com o objetivo de incrementar a discussão construtiva, fica a minha grande admiração.
Agora, um exocet quente: Em uma de suas conversas com Mano, Carol confessa que não curte beijos que vêm anexados com pontos de interrogação. A adolescente não gosta de ter em seus lábios o calor molhado da dúvida; do não saber como será com o outro no dia seguinte.
Deixa eu te contar um segredinho, Carol. A dúvida, que tira o nosso chão, é o melhor de todo negócio. Como diz um dos grandes poetas da música popular brasileira − talvez você conheça −, chamado MC Leozinho:
Eu viajei no teu corpo descobri o teu gosto
deslizei no seu rosto só pra te beijar
me dê uma chance quem sabe esse lance
vai virar um romance e a gente vai namorar.
Sábio, não? Enquanto o “é” ainda não “é”, mas significa tão somente “talvez possa ser”, nosso pensamento viaja louco, e o estômago fervilha de excitação com o que pode estar sendo reservado para o amanhã. Sacou? Eu tenho que ficar explicando tudo para essa meninada?! Os garotos vão acabar com a minha raça por ficar entregando o ouro assim…
Xo xo, Gossip Girl!
Carlos Eduardo Bacellar