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Fantasmas que assombram Polanski impregnam seu thriller com fatalismo inexpugnável

Se Roman Polanski não fosse cineasta, com toda certeza daria um ótimo jornalista. Munido de sua lupa estética, o diretor franco-polonês esmiúça a falência moral do indivíduo e impregna seus personagens com o cinismo que disfarça a perversidade.  Assombrado por fatos trágicos que inflamam a desesperança em seu íntimo, ele carrega suas obras de tons sombrios.

Carregado nos braços por um Urso de Prata de melhor direção no último Festival de Berlim, “O escritor fantasma” (2010), mergulho do realizador no thriller policial, acaba de estrear no Brasil. Polanski se baseou no romance “O fantasma”, de Robert Harris, que é coautor do roteiro.

Na trama, Ewan McGregor é contratado como ghost writer para escrever a versão final de um livro acerca das memórias do primeiro-ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan). O personagem do ator escocês, inominado, é apresentado a todos como o fantasma – maneira com que o diretor torna impessoal (ou reifica) o instrumento de transformação da história.

O trabalho do ghost será requentar o manuscrito deixado por seu predecessor, que foi encontrado morto em circunstâncias misteriosas. Levado para uma espécie de casa de veraneio de Lang, situada numa ilha nos EUA, ele é extraído de uma grande metrópole para se ver confinado em um ambiente frio e opressor – asséptico na aparência, mas podre na essência. Assim que inicia sua tarefa, ele começa a afundar na areia movediça do lado negro da política, que camufla segredos, intrigas e questões de Estado.

Versão britânica de Fernando Collor de Mello, Lang está mais para Eike Batista no status de playboy do que para um estadista. Descaradamente moldado na figura de Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, Lang se torna um títere do desastre que se agarra na barra da saia do belicismo e da empáfia ianque. O diretor faz da encenação uma crítica ácida à desastrosa política externa americana na era Bush − e ao envolvimento da Inglaterra na receita da estupidez.

Polanski, sempre arquitetando seus filmes com mulheres em papéis fortes, equilibra a irresponsabilidade e falta de norte do primeiro-ministro colocando ao seu lado a eficiente assessora Amelia Bly (Kim Cattrall, a ninfomaníaca Samantha Jones da série “Sex and the City”) e sua perspicaz esposa Ruth (Olivia Williams).

Assim como Amelia parece extrapolar suas funções profissionais, Ruth é mais do que só a primeira-dama que enfeita as fotos oficiais. Altamente gabaritada, ela é a conselheira a quem o primeiro-ministro recorre nos momentos de crise. Ou pelo menos recorria antes de o relacionamento dos dois começar a azedar. Lacônica e enigmática, exalando uma tristeza muda, Ruth é a mulher que engole do marido as frustrações que não podem vir a público.

O manuscrito original com o qual o ghost se depara, além de um convite para o tédio, esconde segredos que só começam a se desvelar quando ele transcende a mera burocracia do projeto e coloca seu ceticismo para funcionar. O escritor é o veículo utilizado pelo diretor para maquiar uma realidade insossa e sem charme – a vida pregressa de Lang −, mas que acaba sendo a ferramenta que dinamitará camadas e mais camadas de falsidade, escancarando relações impensáveis. O que ele descobre suscita a mesma cara de pânico de Mia Farrow ao se deparar com seu bebê demônio. Só que desta vez o mal pode ser bem mais charmoso.

As nuanças do roteiro são muito bem exploradas pelas lentes do diretor, que não deixa a plateia tomar fôlego e se acomodar na cadeira. Mestre do duplo sentido, Polanski parece ter desovado o personagem de Ewan na ilha de Lost: cada nova descoberta ou multiplica as perguntas, ou nos dá a resposta falsa. Roman, cumprindo prisão domiciliar em seu castelo na Suíça, escarnece do nosso virtuosismo inocente ao tornar translúcida uma realidade cruel, que não pode ser remendada pela vontade de algum purista militante.

Carlos Eduardo Bacellar

p.s. Olivia Williams, no alto do salto de seus 41 anos, vira do avesso as convenções e mostra que cirurgia plástica não está com nada. Com mechas grisalhas que emolduram traços da idade, ela dá um show de beleza interpretando uma mulher madura que esbanja sensualidade. Não troco por uma de 20.

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