O processo de criação do diretor canadense Jason Reitman tem início na insatisfação. Do sentimento de incômodo gerado por ela, Reitman aborda em seus projetos quebras de expectativa, sempre estruturadas na polêmica, que deslocam seus personagens para a quarentena do ostracismo psicológico e social.
“Obrigado por fumar” (2005) expôs as contradições de Nick Naylor (Aaron Eckhart), porta-voz da famigerada indústria do tabaco – um lobista meio macunaímico que precisava aumentar a incidência de câncer de pulmão ao mesmo tempo que dava uma de pai modelo. Juno MacGuff (Elle Page), protagonista do segundo longa de Reitman, teve que amadurecer na marra ao lidar com uma gravidez inesperada em sua adolescência. Foi com “Juno” (2007) que a ex-stripper, autora e roteirista Diablo Cody ganhou o Oscar de melhor roteiro original na cerimônia de 2008. Já em “Amor sem escalas” (2009), Ryan Bingham (George Clooney) era o vetor operacional de uma empresa cuja especialidade é demitir pessoas de modo cirúrgico.
“Jovens Adultos”, novo longa do cineasta, outra parceria com Diablo Cody, que assina o roteiro, dá um passo além: a insatisfação gera o deslocamento e a sensação de vazio. Tal despertencimento, ou incompletude, não se resolve com reflexões e adaptações, o que se espera de uma pessoa equilibrada – descamba para a neurose. Filme que começa no tom melancólico (mas de promessas) de “Elizabethtown” (Cameron Crowe, 2008), logo degenera para um caso manicomial.
Mavis Gary (Charlize Theron) é ex-it girl e autora fracassada de uma série para “jovens adultos” que, inconformada com as desilusões do presente, decide resgatar o passado da maneira mais destrutível e inconsequente possível. Num delírio tardio e irresponsável de juventude, quando era a garota mais popular do colégio, ela encasqueta de rumar para sua pequena cidade natal Mercury (Minnesota), no Meio-Oeste americano, com o intuito de resgatar o relacionamento com seu high school sweetheart. Detalhe: Buddy Slade (Patrick Wilson, o neurocirurgião operador de milagres Michael Holt da série A Gifted Man, em cartaz no Universal Channel; médico que deveria ter operado a personagem de Mia Wasikowska em “Restless”, do Gus Van Sant – ela ainda estaria viva…), seu objeto de desejo, está casado, apaixonado e acaba de ter o primeiro bebê. Mas Gary confia no seu taco, ou melhor, na sua caçapa, e não se intimida com a concorrência.
Perdida na construção de vida fantasiosa arquitetada por seus delírios, ela transfere para a literatura uma ficção que, apesar de se valer de elementos cotidianos, não encontra nenhum respaldo na realidade.
Ah, Mavis, se você pudesse ter acesso à máquina de desejos que transformou a vida de Josh Baskin (“Quero ser grande”, 1988)… Matt Freehauf (Patton Oswalt), geek, ex-colega da beldade e sua âncora no mundo real, alerta a (nova) amiga para o fato de que ela era muito pior quando nova. Superficial, insensível, pedante, egoísta… Os adjetivos pejorativos engasgam na garganta de Matt, apaixonado pela ex-prom queen desde sempre. Mavis não percebe que o melhor não depende dos outros, mas dela mesma – perdida de si, não resta a ela outra alternativa, exceto a perturbação, que tateia no escuro de seus pensamentos em busca de algo para se fixar, como piche.
Mais amadurecido, Jason Reitman se sente à vontade para – amparado no talento de Charlize, no politicamente incorreto, nos diálogos ácidos e no humor negro (mais light do que o de Todd Solondz) –, fugindo dos distúrbios e inconformações epidérmicos, incrementar sua cinematografia com a profundidade de questionamentos existenciais, questionamentos deturpados pela loucura que existe dentro de todos nós, e só precisa de um empurrãozinho das circunstâncias para emergir. Darren Aronofsky (ídolo!!!) faz escola novamente.
Carlos Eduardo Bacellar