Sabe o que me parece mais gozado em “O Palhaço”? Incrível mesmo? É que teria tudo para dar errado. Título e tema fora do script metropolitano, um ruído informático mercadológico, um tropeção desses de picadeiro. Mas conquistou o público.
Podia. “O Palhaço” podia ter dado em trapalhada, mas obra de arte com sucesso continua aquela combinação sem receita, às vezes até subversiva (!).
Suponho que na sessão do último sábado (16hs, Unibanco Arteplex), boa parte do público era de quem nunca foi ao circo ou sempre desdenhou palhaço, nem nunca viu o Carequinha na TV (Gente, eu vi…). Porém, o pessoal se encantou e se intrigou com Selton Mello, um palhaço deprimido na vida, cuja graça persiste além da arena circense (como constata em fala sutil, a atriz Fabiana Karla), embora ele a julgue perdida.
A narrativa, cujo fio é o itinerante Circo Esperança, nos assalta de surpresas. “Pontas” divinas não faltam (Moacyr Franco, Jorge Loredo, Tonico Pereira e a própria Fabiana Karla). Ao contrário, os atores dão o tom da competente produção de Vânia Cattani. Partem de um inteligente desenho de “casting”, escolhidos a dedo, conhecidos ou não. São quase a alma do filme — a começar por Paulo José –, se não fosse a maestria da “posta em cena” do diretor Selton Mello, escoltado por uma direção de arte (Cláudio Amaral Peixoto) e figurinos (Kika Lopes) de grande beleza, em sintonia com uma bucólica Minas Gerais.
O filme nos provoca uma gostosa saudade: das crianças que somos e do ingênuo humor brasileiro. Se o palhaço Selton Mello já não tem esperança, perdeu a graça de viver, a sua expectativa é, no mínimo, pueril. Quer alguém que o faça rir, além de um ventilador, que vira a sua hilária obsessão, muito bem pontuada pelo roteiro. No fim de contas, o palhaço quer uma ventania que tudo desarrume. Ele precisa romper.
Prendendo o espectador do início ao fim, com alguma ameaça de perder o alinhavo nas sequências anteriores à despedida do Palhaço da Trupe Esperança, a obra indica que a ruptura é o campo da descoberta. Com ela, ele reencontra o riso, abre-se ao amor e compra, enfim, um ventilador, quase em pacote, um depois outro. E regressa ao Circo Esperança, a si mesmo.
Após “Feliz Natal”, seu primeiro longa, em “O Palhaço”, Selton faz um reveillon de gala e se revela, precocemente, um diretor sensível e maduro.
Claudia Furiati