Arquivo do mês: março 2010

Sandra Bullock destroça paradigmas e se consagra como (A)triz

Sandra Bullock acaba de realizar um sonho – sonho este que se tornou o pesadelo de Helen Mirren, Carey Mulligan (ai, ai…), Gabourey Sidibe e a rainha das indicações, Meryl “Sempre na Parada” Streep, lembrada (acho que por hábito) por sua atuação no insosso “Julie & Julia”.

Protagonista de “Um sonho possível” (“The blind side” no original), drama que não nutre grandes pretensões estéticas, a atriz americana, que completa 46 anos no próximo dia 26 de julho (perdão, Sandra, mas não fazemos concessões), levou, este ano, o primeiro Oscar de sua carreira destroçando paradigmas com os quais a indústria hollywoodiana cerceou sua capacidade dramática – Sandra também emplacou o Globo de Ouro.

O roteiro, fórmula majada de bolo de chocolate, adapta para as telas, sob direção de John Lee Hancock, a história (supostamente) real imortalizada no livro “The blind side: Evolution of a game”, do escritor Michael Lewis. No enredo, Leigh Anne Tuohy (Bullock) é uma dondoca fútil e cheia da grana (do marido) que cruza o caminho do humilde (leia-se paupérrimo) e negligenciado jovem Michael Oher, vulgo Big Mike (a grata novidade Quinton Aaron).

A agora oscarizada Sandra Bullock: só sorrisos

Dona de um coração de ouro cheio de carinho latente, Leigh resolve ajudar o garoto, fruto de uma família despedaçada que é relegado ao purgatório da indigência, a ser alguém na vida. Ela o encaixa na sua vidinha confortável, com o aval do compreensivo e bonitão marido Sean (Tim MacGraw, o próprio Capitão América) e dos filhos S. J. (Jae Heda sensacional) e Collins (a lindinha Lily Collins, a Sandy do cinema americano – natural de Surrey, na Inglaterra −, que só faltou cantar). Incentivado pela nova mamãe, Michael acaba encontrando seu prato de comida no futebol americano, e se torna uma estrela do esporte auxiliado por seu tamanho e força física descomunais.

Lily Collins (a Sandy do cinema americano, que é inglesa, na verdade)

Seria outra historinha mais ou menos − espécie de conto de fadas que contempla um garoto negro da periferia de uma das cidades dos EUA −, feita para arrancar algumas lágrimas do público, se não fosse o fermento adicionado pelo talento de Bullock. Com uma interpretação que nos desencosta da poltrona, ela acaba inchando a massa da realização para fora do tabuleiro do sentimentalismo barato.

Arrebentando a couraça do estereótipo da mocinha romântica deslumbrada (“ai… eu beijei o Keanu Reeves… foi o melhor beijo da minha vida”) e inocente, com o qual estamos acostumados, Sandra explora todo o leque de emoções que inundam sua personagem, sem chafurdar na pieguice. Adrenalizada pela situação − que não parece crível para a protagonista por ser deturpada pela bolha em que vive −, é forçada a encarar uma realidade que não queria enxergar e, principalmente, a rever seus valores. Leigh não é uma dádiva para Oher, mas sim o contrário. As transformações morais em ebulição no âmago da socialite desestruturam preconceitos e a catapultam para fora da superficialidade hedionda.

Só o que fica difícil de comprar no filme é o altruísmo extremado de uma ricaça alienada como Leigh – chancelado pela “família perfeita” −, que, na verdade, é a premissa para todo o desenrolar da história. Conjugado a isso temos o fato de que, nos estertores da projeção, a mão do diretor – amparada pelo roteiro, lógico − tira uma carta da manga e a joga no colo dos espectadores, colocando em dúvida o carinho de Leigh por seu “filho adotivo”. A liga entre esses dois momentos é fraca, o que desencadeia de leve a sequência de acontecimentos e nos impele a inferências desnecessárias.

Mas, quando engolimos o excesso de boa vontade da protagonista − e de sua família − e a reviravolta meio forçada, que nada mais é do que uma tentativa de temperar o clímax, a história flui bem e emociona.

Sandra Bullock brilha e merece nossos aplausos. A superação não é de Oher, mas dela, que amadureceu e se tornou (A)triz.

Carlos Eduardo Bacellar

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Insolação que confunde, entontece e acelera a pulsação

“O homem que roubava livros só se torna merecedor da morte quando

a vida passa a significar alguma coisa para ele.”


Felipe Hirsch e Daniela Thomas são realizadores cerebrais. Instrumentalizado por uma estética de narrativa complexa, estreou, na última sexta-feira (26/3), “Insolação”, aventura poética da dupla que causa grande estranhamento e nos leva à reflexão.

Quem espera encontrar uma narrativa fácil, é melhor entrar na sala de cinema ao lado e curtir algum outro filme. Agora, para quem é instigado pelo não usual, pela provocação (no bom sentido), é um prato cheio. Eu, particularmente, gosto de ser desafiado por um trabalho artístico, porque acredito que é essa exegese que eleva o espírito. É claro que qualquer análise crítica se torna tarefa muito mais temerária, mas eu sou destemido até o limite do abuso.

Li muita coisa sobre o filme nos três últimos dias, mas procuro, na medida do possível, não me deixar contaminar (principalmente depois de preterir “O segredo de seus olhos” no Oscar 2010). Não acredito que a dobradinha dos dois diretores resulte em uma narrativa acerca da solidão, muito menos de paixões frustradas. Essas duas dimensões, que estão presentes na obra, são produtos secundários de uma necessidade orgânica do ser humano chamada compreensão – seja ela afetiva, emocional, profissional, escolha você.

Os dois artífices lapidam o trabalho dos atores e angulam suas lentes de forma que fique exposta a necessidade de compreensão por meio dos contrastes. A personagem de Paulo José – apaixonada pela subjetividade da literatura e da poesia, que, por isso mesmo, é única linearidade em toda encenação − tenta, por meio da linguagem poética, entrelaçar extremos que, paradoxalmente, estão intrinsecamente ligados: amor/tristeza; compreensão/repúdio; experiência/imaturidade; juventude/velhice; companhia/solidão. Ela procura jogar alguma luz na incompreensão gerada por expectativas distintas, tentando amparar as pessoas dispostas a ouvi-la, de maneira que elas encontrem nas palavras formas ilustradas do que as consome por dentro – e possam viver. Nem sempre isso é possível. Aí está a utopia do trovador.

Com um elenco brilhante, liderado pelo excepcional Leonardo Medeiros (o nosso Ricardo Darín) e o já citado grande Paulo José, Felipe e Daniela trabalham as relações sentimentais contrapondo, na maior parte da encenação, a paixão adolescente (que representa inocência, entrega e doçura) com o “amor” maduro (muitas vezes prático, seco e burocrático). Qualquer semelhança com “Deixa ela entrar” não é mera coincidência – tirando o fato de que lá no frio europeu eles se entendem nas diferenças. Nós temos até a nossa vampirinha Eli, que ficará mais conhecida no Brasil como Zoyka, interpetada pela atriz Daniela Piepszyk (não conseguia parar de imaginar o momento em que ela iria direto no cangote do tiozinho do rock; na verdade, ocorreu o contrário).

A exceção à regra fica gritante na aproximação da fracassada personagem de Medeiros com a repórter vivida por Maria Luisa Mendonça: o descompasso profissional entre os dois, apesar do desejo subjacente, é determinante para que um fale árabe e o outro hebraico.

A desolação nasce justamente da falta de receptividade (incompreensão) do sujeito idealizado, que tem outra vivência, outra maturidade, outras idiossincrasias, outros objetivos. E não ter o brilho dos seus olhos refletidos machuca. Para viver é necessário amar, e amar dói. A Brasília fantasma captada pelas lentes simboliza o limbo emocional pelo qual os atores precisam guiar suas criações. Muitas ficarão perdidas pelo meio do caminho, sem chance de avançar ou retroceder.

Na sala escura, presenciei algo que, recentemente, só havia visto ao assistir “Anticristo”, de Lars von Trier (2009): pessoas abandonando o filme por causa da estética difícil e tortuosa (eu ainda vou perder um relacionamento por causa disso).

“Insolação” não é palatável como um copo de Coca-Cola. Felipe e Daniela enfiam em nossas goelas colheradas de Óleo de Fígado de Bacalhau com uma validade que até agora não expirou na minha alma. Quem faz esse tipo de cinema não está preocupado com a saúde da produção nas bilheterias. Algo muito maior norteia a vontade de realizar arte dos diretores. Eu vou continuar tentando entender o que é; buscar essa compreensão. Esse é o grande barato.

Carlos Eduardo Bacellar

p.s. Quem saiu de fininho antes do tempo perdeu a cena em que a encantadora Simone Spoladore toma banho de chuva esparramada no asfalto, de vestido 🙂

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(All!!!)less

O ator-diretor Dennis Hopper, ídolo da contracultura americana — detonada nos estertores da década de 1960 com “Easy Rider” (1969) –, acaba de carimbar, aos 73 anos,  seu nome em uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood.

Quem acompanha o blog sabe que meu priminho ianque Joel Guimarães, apesar de bem novinho, já está sendo preparado para ser um esteta da sétima arte.

E não é que o pequenino resolveu homenagear o encrenqueiro, polêmico e conturbado Hopper de uma maneira bem original? Não sei que tipo de “vitaminas” hopperianas o papai Alex colocou na mamadeira do filhote, mas, assim que bateu a onda, Joel resolveu refilmar uma cena do documentário “American Dreamer”, de Kit Carson e Larry Schiller, que tem como foco o artista enlouquecido que, movido a drogas alucinógenas, mexeu com a cabeça de uma geração.

Nas filmagens, segundo informações do jornalista Peter Biskind em seu livro Easy Raiders, Raging Bulls: Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood, Hopper foi persuadido pelos diretores a passear pelado pelas ruas do centro de Los Alamos, para o deleite das câmeras. Em troca, Carson e Larry concordaram em realizar uma fantaisa do desvairado Dennis: arranjar cinquenta lindas garotas e levá-las para a casa dele para um “sessão de elevação da consciência”.

Como meu primo ainda é muito inocente para esse tipo de diversão (ou melhor, suborno), ele topou a parada em troca de alguns biscoitos.

Na primeira oportunidade, ele vai fazer um estágio com a Helena e passar uma temporada nas casas do Carlos Alberto Mattos e do Rodrigo Fonseca. Não quero que ele se torne um filisteu 🙂

Tenho certeza de que o garoto vai longe!

Vida longa, Dennis Hopper! Os doidos estão torcendo pela sua melhora.

Inté!

Carlos Eduardo Bacellar



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Busca do entendimento na dor

Nem o cascudo ator irlandês Liam Neeson, que já contabiliza 58 anos de estrada, escapou da síndrome da locadora que assola o país.

Neeson, que estrela duas produções ainda inéditas por aqui − “Chloe” (2009), de Atom Egoyan e “After.Life” (2009) de Agnieszka Wojtowicz-Vosloo (sim, os nomes dos diretores estão se tornando cada vez mais bizarros, não é impressão; o segundo nome, impronunciável, é de uma mulher) −, diminui esse déficit com “Rastros de Justiça” (“Five minutes in heaven” no original, 2009), do diretor alemão Oliver Hirschbiegel, responsável pelo magistral “A queda! As últimas horas de Hitler” (2004). O filme, laureado por direção e roteiro (Guy Hibbert) em Sundance, no ano passado, já pode ser encontrado na locadora mais próxima de sua casa.

Talvez empolgados pelo fôlego que “Busca implacável” (2008) mostrou no mercado doméstico – realização protagonizada por um Liam Neeson à moda Seagal −, os responsáveis pela distribuição de “Rastros…” no Brasil (leia-se Flashstar Filmes) resolveram mandá-lo direto para as prateleiras para fazer companhia a Michael Douglas e Cia Ltda.

No drama, Alistair Little (Neeson) carrega nas costas, há décadas, o fardo de ter matado a sangue frio, quando ainda era adolescente, um jovem na época mais efervescente do conflito entre católicos e protestantes que destroçou a Irlanda do Norte – as desavenças pegaram fogo no fim da década de 1960, e se estenderam por mais de 30 anos. Em determinado momento de sua amarga existência, já bem mais velho e maduro, surge a oportunidade (sob os rótulos de busca pela verdade e reconciliação, que devem ser traduzidos para comercialização da dor) de confrontar o irmão mais novo de sua vítima, Joe Griffen (o excelente James Nesbitt), que presenciou o atentado. Só que os sentimentos detonados por essa possibilidade de acareação são antagônicos: Little procura paz de espírito, enquanto Griffen anseia por vingança.

O mérito maior do filme é captar os aspectos humanos aflorados em uma situação que devassa o cerne dos dois protagonistas. Little não busca redenção, muito menos perdão. O que o atormentado ex-militante procura é um encerramento. Ele espera, encontrando Griffen, exorcizar os fantasmas que o perseguem desde seu erro na adolescência, estigmatizando-o com a chaga do remorso. Como um remédio paliativo para sua alma hemorrágica, ele prega a não violência em grupos de apoio como uma forma de “enganar seu caminho através da vida”.

Já Griffen, que viu sua vida transformada num calvário após o assassinato do irmão – a mãe o culpou pela morte do primogênito e destilou todo seu desprezou sobre o inocente menino −, foi consumido pelo ódio e rancor ao longo dos anos e só pensa em cravar uma faca no coração do homem que destruiu sua família. Incapaz de demonstrar o afeto do qual foi privado, se desespera quando percebe que Little não é um monstro.

Da mesma forma que a personagem de Kate Winslet em “O leitor” (2008) – deixando de lado as idiossincrasias da formação moral do adolescente, ainda em processo, que podem ser atenuantes −, Little foi engolido pela força das circunstâncias, e simplesmente se deixou levar – não achando que estava fazendo a coisa certa ou errada, mas, simplesmente, o que era necessário para ser aceito. Alguns dizem que a História sempre se repete, mas com novos atores. Só a incompreensão pelos absurdos extremados permanece.

No encontro entre Little e Griffen, duas forças opostas se atraem objetivando um desfecho – e se anulam no entendimento da(s) dor(es), o que proporciona uma cicatrização que permite aos dois enxergar o futuro de forma menos embaçada.

Carlos Eduardo Bacellar


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Como nasce um artista – Parte II

Há alguns dias, a dúvida embrulhada no estômago: publicar ou não o post? Sempre avessa a compartilhar o íntimo na rede, pensava: Pra quê? Ninguém tá nem aí pra minha vida… Será que não é muita exposição? Mas nasci acreditando que o saber é democrático. E quando se cresce assim, atos são bem menos racionais. O impulso não questiona ou intelectualiza e o que motiva é o (simples) desejo de dividir. Foi assim que, uma vez mais, recorri ao Rilke: “(…) Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade (…)”. Dono de uma capacidade única, assim como Fernando Pessoa e Manoel de Barros, de me dizer coisas cheias de sentido, acatei o mandato, entoei como manthra e agora entrego ao Universo.

Respondendo a estímulos meramente internos, desde o ano passado, embarquei em um projeto (cinematográfico) pessoal. Passei (e passo todos os dias) pelos processos de venda interna – sensibilização dos meus sócios – e externa – busca de potenciais investidores. Trabalho na organização do roteiro (mutante) e conto com uma equipe (parceira). Amo vocês. No ímpeto de transformar Prosa em Poesia (faço isso sempre que posso!), revelei O Segredo a algumas pessoas. E aviso: se você que me lê agora é uma delas, saiba que é especial! Filmamos menos de cinco por cento do produto final, mas o suficiente para um primeiro extrato de edição. Assistindo ao material syncado, entendi como nasce um artista.

Vivo atormentada. Dentro de mim, um festival de sentimentos descontrolados: calafrio aqui, lágrima ali, arrepio acolá, frio na barriga. É como se o objeto me tomasse de forma visceral (só vi algo semelhante acontecer quando apaixonada, sabe?), tudo passa a ser secundário e eu simplesmente não respondo por mim. E pra quê responder? É carnal. É pra sentir. Trabalho na minha primeira obra. E talvez já me sinta no dever de recomendar: nunca comece a sua primeira obra por algo que você é completamente apaixonado (meu caso). Estou comendo o pão que o diabo amassou. Em doses homeopáticas. Tudo começa no desejo de tornar a jornada pela vida menos solitária. Não que eu tenha medo da solidão. Sou da tese de que todos os seres humanos são sós por excelência. Essencialmente solitários. E o desfecho, conectado à “A Alma Imoral”, “(…) não há solidão maior que ausência de si mesmo (…)”, é assombroso. Jamais esqueço do meu irmão Michel (afinal, foi ele quem disse que Sroulevich e Bercovitch querem dizer a mesma coisa) me dizendo há uns dois anos: o seu próximo projeto tem que ser completamente seu! Hoje eu entendo o que ele dizia.

Na busca por ordem no caos (será que é possível?), o desafio é se manter inspirado. Despretensiosamente (e é justo assim que os encontros mais bacanas rolam, quando a gente simplesmente não espera nada deles!), há algumas semanas, fui a Campinas e Paulínia. O motivo da viagem: visitar a duplinha Gui e Don, no set de “O Palhaço” (filme em produção do Selton Mello). Entre baladas e papos incríveis, me reservei ao posto de espectadora atenta; afinal, eu voltava ao mundo do set, sem qualquer função. Que o Selton é genial, possivelmente o melhor ator da geração dele, não é novidade para ninguém. Que “Feliz Natal” dá um tapa na nossa cara, mostrando a hipocrisia do Natal familiar, é verdade incontestável. Mas o que vi ali foi muito além. Nunca tive o privilégio de assistir a John Cassavetes, Woody Allen ou Luiz Fernando Carvalho em ação, mas, certamente, uma fusão dos três daria algo perto do Selton. Capitaneando a equipe, estava ligadíssimo. Preocupava-se com os tempos do áudio, com a tiara no cabelo da atriz, ou se havia algum prego fora do lugar que pudesse machucar alguém. Ao mesmo tempo, se entretinha (e se deliciava) com Paulo José, elogiava os técnicos, e respondia às solicitações de atenção e zelo da equipe, que acabara de armar o circo Esperança (sem qualquer construção física, simplesmente amarrado a tonéis de água). E, como se não bastasse, ainda marcava as movimentações dos atores, dando espaço a quem quisesse e pudesse contribuir; sem esquecer, é claro, de dirigir a si próprio (Selton interpreta no filme o homem-palhaço Benjamin/Pangaré, em crise de identidade, na busca por se enquadrar). E cuidava de tudo no mais profundo silêncio.

E como eu gosto de silêncio. De um jeito próprio, é como se o Selton subisse aos meus ouvidos, dizendo: fique atenta ao mundo de fora, mas escute a Helena lá de dentro, sem medo. Foi um exercício de sair de mim e me observar (de fora para dentro). E o que sobrou aqui? Verdadeiras revoluções internas difíceis de administrar. Se o filme será bom ao final, ninguém sabe, nem ele, mas “O Palhaço” já me cativou. Selton está imprimindo a sua alma. E me comove por mostrar que para ganhar o picadeiro, não é preciso mais do que dominar o mundo – interior. E assim nasce um artista.

Helena Sroulevich

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Como nasce um artista – Parte I

Relutei nos últimos dias (e entenderão o porquê em “Como nasce um artista – Parte II), mas dedicarei os próximos dois posts a compartilhar com vocês a minha (atual) jornada. A primeira parte, agora. A outra, amanhã. Como em todo exercício de abstração, parto de um livro, filme, obra de arte de qualquer espécie e o destino sempre revela mares nunca dantes navegados. Aqui, os convido a ler extratos da minha cabeceira, na forma de Primeira Carta do Livro “Cartas a um Jovem Poeta”, de autoria do tcheco Rainer Maria Rilke (1875-1926), publicado pela Editora Globo, em 1995.

Cartas a um jovem poeta
(Primeira carta)


Paris, 17 de fevereiro de 1903

Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: “Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.

Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.

Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.

Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por este amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.

Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.

Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke.

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Turma da Mônica recauchutada

Mônica fez dieta, colocou aparelho fixo e bombou o guarda-roupas (além dos vestidos vermelhos). Magali, contando com metabolismo acelerado, continua magrinha, e louca por melancias; mas somente orgânicos fazem parte de seu cardápio. Cebola (Cebolinha é muito infantil!) é antenado, cabeludo e já não troca “erres” por “eles” desde que foi tratado por uma Fonoaudióloga. Cascão aderiu aos banhos – sempre depois de praticar esportes radicais – e, no momento, suas incursões ao lixão são em prol da Reciclagem e do Desenvolvimento Sustentável. E está apresentada a Turma da Mônica Jovem.

Não, não esqueci do Chico Bento. O preferido da infância, menino do interiorrrr sem chinelos e com chapéu de palha, provavelmente, trocou Vila Abobrinha por Sampa City, já não vive com os pais (Seu Bento e Dona Cotinha), os folclores da Vó Dita são uma doce memória, e ele deve estudar Comunicação na ECA (USP). E, claro, vive um drama paulistano, frequentando raves e consumindo um chops e dois pastel para esquecer Rosinha, seu grande amor. Seu futuro é no meio artístico. Seu destino de garoto outrotra desatento, com desempenho escolar irregular e capacidade única de criar histórias de pescadores é ser star. E está dada a minha contribuição aos futuros roteiristas e desenhistas que brevemente se unirão a Mauricio de Sousa na criação dos quadrinhos da turma do meu caipira – versão jovem.

Surfando na internet, verifiquei que o tino mercadológico de Mauricio de Sousa é acertado. Há exemplares da nova safra que conquistaram o dobro de fãs do gibi tradicional, ultrapassando, em alguns casos, mais de 500 mil unidades vendidas. E os consumidores têm perfis curiosos. Metade das vendas são para pré-adolescentes e adolescentes entre 10 e 16 anos e cerca de 30% dos leitores têm menos de 10 anos. Os outros 20 pontos devem ser saudosistas, como eu.

Apreciadora de turma da Mônica  e acreditando no potencial do mercado brasileiro de filmes de animação, sugiro a Mauricio de Sousa e à galera da Paramount que formatem uma versão cinema dessa Turma da Mônica recauchutada. Se o Cinegibi da Turma fez 305.752 espectadores (segundo dados do FilmeB), em 2004, qual não seria o sucesso hoje? Acredito que favorável o suficiente para deixar grilos e troianos infelizes.

Helena Sroulevich

P.S. Ah… como no prenúncio da foto, não poderia deixar de alimentar o blog com spoilers (que certamente farão parte do filme numa versão quiça mais apimentada): Mônica e Cebola revelaram o algo mais que havia entre eles e, por fim, “se pegaram”.


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Berlusconigate

Nada enfurece mais um macho-alfa do que ver sua amada sendo desrespeitada. Quando a falta de boas maneiras atinge o ego do homem mais poderoso do mundo, as consequências podem ser catastróficas.

Obama, que não é bobo nem nada, não leva desaforo para casa. Vejam a verdadeira história (que está rolando na rede) sobre os motivos que levaram o sem-noção Berlusconi ao consultório do cirurgião plástico (o serviço secreto americano mexeu seus pauzinhos e abafou o caso):

Espero que a xxxx não seja amiga do Chuck Norris…

E já que o assunto é o homem que joga roleta russa com uma arma inteiramente carregada e ganha, separamos algumas pérolas que já viraram lenda na Internet. Confiram algumas:

Se Chuck Norris fosse brasileiro, não existiria a Argentina.

Chuck Norris não tem um forno ou microondas, pois, como todo mundo sabe, “a vingança é um prato que se come frio.”

Quando o Bicho Papão vai dormir, ele deixa a luz acesa com medo de Chuck Norris.

Chuck Norris não compra manteiga. Ele dá roundhouse kicks  nas vacas e elas viram manteiga.

Chuck Norris recentemente teve a idéia de vender sua urina enlatada. Chama-se “Red Bull”.

Quando Bruce Banner fica irado, ele se transforma no Hulk. Quando o Hulk fica irado, ele se transforma em Chuck Norris.

Em “O Vôo do Dragão”, Bruce Lee dá uma surra em Chuck Norris. Quando desligaram as câmeras, Chuck Norris matou Bruce Lee. Chuck Norris detesta ficção.

Chuck Norris só come duas coisas no café da manhã: Steven Seagal e Vin Diesel.

Chuck Norris não poderia participar do “Big Brother”. Ele eliminaria todos os participantes ainda no hotel.

Quem não tiver nada melhor para fazer e quiser se divertir mais, pode encontrar dezenas de sítios na rede sobre o mesmo tema. Fica uma sugestão: http://www.chucknorris.xpg.com.br/verdades/1

Carlos Eduardo Bacellar

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Talento dos Coen emplaca outro filmaço

Ancorados na atuação irretocável do pouco badalado Michael Stuhlbarg, os irmãos Coen trazem para as telas a produção que pode ser traduzida como o livro “O Complexo de Portnoy” adaptado para o cinema. Com o telúrico humor negro temperado com doses de drama dos diretores cara e coroa polivalentes, não é à toa que a realização concorreu aos prêmios de melhor filme e melhor roteiro original no Oscar deste ano – inexplicável a não indicação de Stuhlbarg a melhor ator; ele tirava George Clooney do páreo fácil!

Com o inteligente e bem elaborado roteiro, que parece ter sido escrito com a malícia e o deboche de Philip Roth, a dupla nos apresenta o professor de física Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg). Devotado à sua família e à comunidade judaica, Larry vê sua vida virar de pernas para o ar quando sua esposa Judith (Sari Lennick) afirma que está pulando a cerca com Sy Ableman (Fred Melamed), um conhecido da família, e exige o divórcio.

Não bastasse isso, Larry ainda precisa lidar com seus dois filhos adolescentes − o problemático Danny (Aaron Wolff) e a vaidosa e alienada Sarah (Jessica McManus) −, seu irmão Arthur (Richard Kind), um fracassado viciado em jogo que se aboletou em sua casa indefinidamente, e imbróglios profissionais atomizados por um desentendimento entre o lente e um estudante oriental acerca da nota em um exame.

Atenção para os diálogos entre o professor e seu descontente aluno Clive Park (David Kang), bem como a disputa retórica com o pai do estudante, Stephen Park (Steve Park), que resolve tomar as dores do jovem herdeiro. Antológicos! Aliás, o forte dos Coen são os diálogos – destilados da original verve tarantinesca e woody-alleniana (sem o excesso de esquizofrenia no último caso). A câmera inquisitiva e despreocupada com a duração das tomadas − captando a última transpiração de cada take, de cada atuação −, somada à fotografia belíssima, completa o quadro e dá o tom perfeito daquela atmosfera opressora.

Larry − diferentemente de Alexander Portnoy, que no romance de Roth recorre ao psicanalista para resolver seus problemas – busca a ajuda de três rabinos para enfrentar o que parece ser a época mais negra de sua vida, fato que gera situações cômicas de tão bizarras.

A narrativa revela um sujeito preso a uma rotina medíocre e castradora que, ao ser atropelado por circunstâncias da vida, desvela o paradoxo de uma comunidade hipócrita que se afasta cada vez mais da religião, mas, ao menor sinal de perturbação, recorre a ela como uma panacéia (*). O filme, nesse sentido, é também um escárnio a qualquer regime absolutista que deforma valores.

Existe, ainda, um claro descompasso de gerações quando prestamos atenção no desinteresse de Danny e outros jovens pela liturgia e os ensinamentos judaicos, hipnotizados e alienados por uma sociedade  − a americana − impulsionada pelo consumismo. É mais atrativo ouvir o rock do momento (mesmo que para isso precise se apropriar dos dados pessoais de seu pai), ir ao salão de beleza e fumar um baseado que aprender hebraico (**).

O prólogo ensaia uma alegoria que, posteriormente, nos permite definir Larry (no sentido figurado) como dybbuk – uma espécie de entidade que se apossa do corpo dos mortos. Tencionado entre a ortodoxia da religião – que consagra as noções de certo e errado de forma maniqueísta −, e a praticidade objetiva da vida real, ele flutua entre duas dimensões e se desespera com sua alma dilacerada, sem saber que decisões tomar.

Os principais temas abordados pelos diretores-roteiristas são a inexorabilidade do tempo – capaz de dobrar as instituições (religiosas ou não) mais sólidas –, com todas as mudanças que ela acarreta, e a fragilidade da existência humana, tão pequena diante de contingências que podem transformar tudo num piscar de olhos.

Na cena final, os Coen deixam patente a insignificância de nossos problemas diante de algo muito maior e incontrolável que alguns chamam de a vontade (ira?) de Deus, outros de destino. Corram para o cinema, pois ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã. Este crítico ovaciona.

Carlos Eduardo Bacellar

(*) Spoiler 1: Tal contradição é expressa pela ignorância do advogado da comunidade (Adam Arkin) contratado por Larry para resolver a burocracia legal do divórcio, que não sabe do que se trata um get – divórcio religioso que permite a mulher se casar novamente de acordo com os preceitos judaicos.

(**) Spoiler 2: A cena em que o Rabino Marshak (Alan Mandell) devolve o rádio ao sardento Danny é de uma força metafórica tremenda. Com aquele gesto o ancião parece dizer: “A bola está com você agora. Eu não posso mais acompanhá-lo, nem entendê-lo”.


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Quem tem medo do lobo mau do além?

Acaba de se materializar nas locadoras o badalado suspense “Atividade paranormal” (2007), produção de baixíssimo orçamento – supostamente realizado com míseros 15 mil dólares − que se tornou coqueluche mais por ter sido apadrinhada por Steven Spielberg do que por seus méritos estéticos.

O novato diretor e roteirista israelense Oren Peli, radicado nos EUA desde os 19 anos, realiza um “Bruxa de Blair” (1999) urbano, e tenta transpor para um apartamento de classe média todo o clima de tensão que cinco jovens documentaristas diletantes viveram nas florestas de Burkittsville, Maryland.

No estilo mockumentary (falso documentário), Katie (Katie Featherston) e seu companheiro Micah (Micah Sloat) vivem o sonho americano quando a moça resolve ser realmente sincera com o rapaz (depois de já tê-lo fisgado e o feito passar do ponto de não retorno, como de praxe), revelando que é atormentada por uma entidade desconhecida desde os 8 anos de idade. Surpreso com a novidade – ele possivelmente estava esperando uma confissão do tipo “eu era uma prostituta antes de conhecê-lo” −, o cético e brincalhão Micah resolve comprar uma câmera e equipamentos de gravação de áudio para investigar o fenômeno que aflige sua amada.

O filme parece (mas só parece) que vai ficar interessante quando entra em cena o especialista em fenômenos paranormais interpretado por Mark Fredrichs. Mas ele só piora o calvário do casal ao revelar que Katie é perseguida por um demônio e ele, um ghostbuster acostumado com os inocentes fantasmas de Tim Burton, nada poderá fazer para ajudá-los. Num arroubo de testosterona, Micah resolve ignorar os conselhos do especialista e explorar seu lado irmãos Winchester, transformando seus dias e noites num episódio de “Supernatural”. Só que ele não tem a parafernália anti-inferno de Sam e Dean − nem o Chevy Impala preto 1967 que permitiria a ele trocar rapidinho de muchacha.

Em “A Bruxa de Blair”, Daniel Myrick e Eduardo Sánchez arrepiam os pelos de nossas nucas trabalhando a sugestão sem se utilizarem da exposição, o que era uma novidade na época. As pessoas descobriram, no susto (literalmente), que era mais amedrontador se agoniar com algo que desconheciam − ou melhor, que só imaginavam − do que saber que no encalço dos protagonistas (e de tudo que se mexesse na tela) estavam psicopatas sanguinários como Jasom Voorhees e Michael Myers, em carne, osso, máscara horripilante e faca-espada. Agora, o público está vacinado. Os truques baratos que seriam um desrespeito para o talento de Mr. M lembram aqueles “efeitos especiais” empregados pelas rádionovelas no tempo do onça.

Além disso, o filme curtinho (86min) na maior parte da encenação nos mostra situações do cotidiano do casal, que em nada contribuem para o clima geral da coisa toda – somente para deixá-la enfadonha. As manifestações do suposto demônio não devem totalizar 10min do disco. E é isso justamente o que a galera quer ver (ou quer fermentar na imaginação e se angustiar)!!!

De qualquer maneira, a cena final é perturbadora e faz jus ao xixi que quase derramei no sofá. Eu, que vi o filme (quase) todo com os olhos bem abertos, nessa hora tive que tapar um deles como um pirata e me espremer embaixo do edredom para segurar o desespero. Fiquei realmente perturbado… Para os R$ 2,99 que gastei nele – promoção da Blockbuster de segunda a quinta −, está valendo.

Após a sessão é que vieram os problemas… Como dormir com meus pais estava fora de cogitação (sou macho, pô), por via das dúvidas deixei a luz acesa, a porta entreaberta e fiz uma barreira de sal ao redor da cama (cortesia dos irmãos Winchester). Sei lá, né…

Curiosidade: O site do filme no Brasil publicou depoimentos de sujeitos que passaram por experiências de gelar a espinha – tipo um Projeto Mosaico da série Flash Forward −, pelo menos no entendimento deles. Para quem quiser conferir e/ou contribuir: http://www.atividadeparanormal.com.br

Carlos Eduardo Bacellar

p.s. Spoiler de pano rápido: não dá para não imaginar a implicação metafórica do trágico final de Micah, um (adivinhem vocês?) operador da bolsa de valores.

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