Sandra Bullock acaba de realizar um sonho – sonho este que se tornou o pesadelo de Helen Mirren, Carey Mulligan (ai, ai…), Gabourey Sidibe e a rainha das indicações, Meryl “Sempre na Parada” Streep, lembrada (acho que por hábito) por sua atuação no insosso “Julie & Julia”.
Protagonista de “Um sonho possível” (“The blind side” no original), drama que não nutre grandes pretensões estéticas, a atriz americana, que completa 46 anos no próximo dia 26 de julho (perdão, Sandra, mas não fazemos concessões), levou, este ano, o primeiro Oscar de sua carreira destroçando paradigmas com os quais a indústria hollywoodiana cerceou sua capacidade dramática – Sandra também emplacou o Globo de Ouro.
O roteiro, fórmula majada de bolo de chocolate, adapta para as telas, sob direção de John Lee Hancock, a história (supostamente) real imortalizada no livro “The blind side: Evolution of a game”, do escritor Michael Lewis. No enredo, Leigh Anne Tuohy (Bullock) é uma dondoca fútil e cheia da grana (do marido) que cruza o caminho do humilde (leia-se paupérrimo) e negligenciado jovem Michael Oher, vulgo Big Mike (a grata novidade Quinton Aaron).
A agora oscarizada Sandra Bullock: só sorrisos
Dona de um coração de ouro cheio de carinho latente, Leigh resolve ajudar o garoto, fruto de uma família despedaçada que é relegado ao purgatório da indigência, a ser alguém na vida. Ela o encaixa na sua vidinha confortável, com o aval do compreensivo e bonitão marido Sean (Tim MacGraw, o próprio Capitão América) e dos filhos S. J. (Jae Heda sensacional) e Collins (a lindinha Lily Collins, a Sandy do cinema americano – natural de Surrey, na Inglaterra −, que só faltou cantar). Incentivado pela nova mamãe, Michael acaba encontrando seu prato de comida no futebol americano, e se torna uma estrela do esporte auxiliado por seu tamanho e força física descomunais.
Lily Collins (a Sandy do cinema americano, que é inglesa, na verdade)
Seria outra historinha mais ou menos − espécie de conto de fadas que contempla um garoto negro da periferia de uma das cidades dos EUA −, feita para arrancar algumas lágrimas do público, se não fosse o fermento adicionado pelo talento de Bullock. Com uma interpretação que nos desencosta da poltrona, ela acaba inchando a massa da realização para fora do tabuleiro do sentimentalismo barato.
Arrebentando a couraça do estereótipo da mocinha romântica deslumbrada (“ai… eu beijei o Keanu Reeves… foi o melhor beijo da minha vida”) e inocente, com o qual estamos acostumados, Sandra explora todo o leque de emoções que inundam sua personagem, sem chafurdar na pieguice. Adrenalizada pela situação − que não parece crível para a protagonista por ser deturpada pela bolha em que vive −, é forçada a encarar uma realidade que não queria enxergar e, principalmente, a rever seus valores. Leigh não é uma dádiva para Oher, mas sim o contrário. As transformações morais em ebulição no âmago da socialite desestruturam preconceitos e a catapultam para fora da superficialidade hedionda.
Só o que fica difícil de comprar no filme é o altruísmo extremado de uma ricaça alienada como Leigh – chancelado pela “família perfeita” −, que, na verdade, é a premissa para todo o desenrolar da história. Conjugado a isso temos o fato de que, nos estertores da projeção, a mão do diretor – amparada pelo roteiro, lógico − tira uma carta da manga e a joga no colo dos espectadores, colocando em dúvida o carinho de Leigh por seu “filho adotivo”. A liga entre esses dois momentos é fraca, o que desencadeia de leve a sequência de acontecimentos e nos impele a inferências desnecessárias.
Mas, quando engolimos o excesso de boa vontade da protagonista − e de sua família − e a reviravolta meio forçada, que nada mais é do que uma tentativa de temperar o clímax, a história flui bem e emociona.
Sandra Bullock brilha e merece nossos aplausos. A superação não é de Oher, mas dela, que amadureceu e se tornou (A)triz.
Carlos Eduardo Bacellar