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(1) dia com ela

And if a double-decker bus/ Crashes into us/ To die by your side/ Is such a heavenly way to die (There’s a light that never goes out The Smiths)

Peço desculpas aos leitores do blog, mas este post foi escrito pensando em quem leu “Um dia” e, assim como eu, se encantou com o livro. É para você, leitor apaixonado, que escrevo este texto. Você que, assolado por uma miríade de emoções, riu, chorou (às vezes ao mesmo tempo) e se identificou com a história de Emma Morley e Dexter Mayhew. Mesmo ciente das liberdades que roteiristas tomam ao transpor uma obra literária para o cinema, e dos perigos que corro ao comparar linguagens completamente diferentes, há marcos literários nos romances que devem ser respeitados, pois são definidores do desenrolar narrativo. Pelo menos eu penso assim. Dito isso…

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O maior inimigo do amor talvez seja o silêncio. Sentir e não verbalizar para a pessoa que ama pode significar a extinção de algo que ainda nem começou, mas poderia se você tivesse a coragem necessária. Muitas vezes a tentativa de abrir o jogo esbarra no azar das circunstâncias. Como uma carta que poderia ter mudado tudo, mas é extraviada pelas vicissitudes. Ei!, está esperando o quê? Ainda não te convenci? Tudo bem, é melhor você terminar de ler o que tenho a dizer primeiro…

Talvez o esquecimento dessa premissa fundamental tenha impedido “Um dia” de realizar todo seu potencial na tela grande. O que torna mais irônica essa afirmação é que o próprio autor do livro roteirizou sua obra para o cinema. Vou chegar lá… Perca mais alguns minutinhos com estas linhas e depois você terá tempo de sobra para se declarar à pessoa de que gosta.

Ficou a cargo da diretora dinamarquesa Lone Wrede Scherfig (“Educação”, 2009) a tarefa desafiadora de transpor para as telas “Um dia”, fenômeno editorial do ator, roteirista e romancista britânico David Nicholls. Com uma abordagem narrativa singular, somos arrebatados pelo relacionamento de Dexter e Emma. Eles se conhecem no dia 15 de julho de 1988, logo após a formatura, trocam intimidades e são ferroados pelas interrogações das possibilidades. Com personalidades antagônicas, os dois seguem caminhos distintos após o primeiro envolvimento, mas, nos 20 anos seguintes, precisamente na mesma data, ficamos sabendo como andam as vidas de ambos.

Quem não leu o livro — se for o seu caso, você deveria ter parado de ler este texto no primeiro parágrafo e acessado o site da livraria da Travessa, ou outro site de compras virtuais qualquer, em busca da obra — vai se perder com a montagem de Barney Pilling, que torna o encadeamento narrativo confuso. As supressões — necessárias por falta de tempo hábil para desfiar todos os acontecimentos das 410 páginas de “Um dia” em pouco mais de 100 minutos — tornam ainda mais complicado o exercício de preenchimento das elipses temporais, grande sacada do livro. Não funciona no cinema. A riqueza da literatura está nesse vácuo que suga nossa imaginação e a deixa tateando no escuro, tentando montar um quebra-cabeça com peças de outro jogo, cuja imagem desconhecemos. Nem a fotografia de Benoît Delhomme, que emoldura com sutileza e intimismo o clima de frustrações e desejos represados, consegue ofuscar as falhas.

Os fãs, que se apaixonaram pelos personagens do livro, não vão se decepcionar com a escolha dos protagonistas. Muito se disse acerca do sotaque de Anne Hathaway. Não me incomodou. Talvez se eu integrasse a aristocracia britânica… Não é o caso. Tanto ela como Jim Sturgess (“Across the universe”, 2007) no papel de Dexter, cumprem seu papel com competência. Sturgess é um promessa na qual eu apostaria algumas fichas.

Agora, o que me incomodou mesmo… Lembra-se daquele amor mencionado no segundo parágrafo, extraviado pelo azar das circunstâncias? Foi o tiro que Nicholls deu no próprio pé. Suprimindo do roteiro uma carta que poderia ter mudado tudo, mas que ficou sepultada dentro de um exemplar de Howards End, perdido num sofá de bar, e nunca chegou às mãos de sua destinatária, o roteirista/romancista retira toda a significação do marco literário que fundamenta a construção e o entendimento do seu texto. Aquela carta, ou melhor, o fato de ela nunca ter alcançado Emma, explica por que as coisas tangenciaram o mapa afetivo dos protagonistas (mudança de curso essencial para o desenrolar da história). Quando Nicholls opta por extirpá-la do roteiro, ficamos sem entender a força das descobertas do passado, os paliativos venenosos de um futuro sem significados, e a angústia do presente, dia 15 de julho, na expectativa da felicidade.

Então? Vai tomar alguma atitude? Segundo a pesquisa abaixo, 10.230 pessoas não podem estar erradas. Espero que você se inspire nela e adiante o seu lado.

Carlos Eduardo Bacellar

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