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Radiografia da arquitetura social do crime

O Festival Varilux de Cinema Francês, que está sendo realizado simultaneamente em nove cidades do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Recife e Fortaleza), nos presenteou com sessões antecipadas de “Un prophète” (no original), do realizador Jacques Audiard, com estreia prevista para o próximo dia 18.

Filme sensação na França − que arrastou para as salas de cinema mais de 1 milhão de pessoas −, “O profeta” radiografa o purgatório existencial de Malik El Djebena (Tahar Rahim) na prisão. Condenado a seis anos, Malik, analfabeto e ateu, é sugado pelas turbinas do microuniverso carcerário e precisa aprender que sobrevivência e obediência são dois conceitos atrelados.

Imigrante com raízes tanto na cultura árabe como na francesa, Malik é cooptado por uma facção de corsos e obrigado a cometer assassinato para preservar seu próprio pescoço. A facção é liderada por César Luciani (Niels Arestrup, em atuação magistral), veterano na penitenciária que acaba agregando Malik à sua proteção – mais pela conveniência do que por algum sentimento fraternal. O jovem é batizado com sangue na liturgia do cárcere, e começa, aos poucos, a amadurecer na universidade do crime – o inexpressivo delinquente que, ao compreender a dinâmica da política na prisão, galga degraus na hierarquia da contravenção e acaba se transformando num dos líderes do crime organizado.

Audiard e suas câmeras inquisitivas e nervosas, que funcionam como testemunhas em terceira pessoa da arquitetura social do submundo prisional, exploram enquadramentos asfixiantes, com closes que deixam claros não só a exiguidade de espaço físico, mas, também, a constrição das vontades. Stéphane Fontaine, diretor de fotografia, deve ser elogiado pela composição das cenas claustrofóbicas e pelos tons cinzentos com que ilustra a consternação daquela situação.

O drama, sem proselitismo, transparece que a conduta humana é determinada pelas circunstâncias. A moral se torna relativa em certos contextos. Malik nem percebe a inocência de seu olhar esmaecer ao descobrir que o instinto de sobrevivência fala mais alto do que noções maniqueístas de certo e errado. O juridicamente duvidoso se expande ao ser confrontado com a lâmina do vizinho de cela. Assombrado pelos pecados de seu passado, ele desenvolve uma sensibilidade ímpar que o ajudará a lidar com situações extremas – o profeta que flerta com a morte, mas é auxiliado por ela, seu carrasco e anjo da guarda.

O roteiro, de autoria de Thomas Bidegain e do próprio Jacques Audiard, destaca não só a concepção de sobrevivência na cadeia, mas também na existência fora das grades. Como um ex-detento pode conciliar as necessidades próprias e da família com as restrições e dificuldades do mundo cão? Crítica ao processo de ressocialização, que não deveria ficar restrito à oportunidade desassistida. A penitenciária é um mundo à parte, no qual muitos saem mais podres do que quando entraram.

O filme teve seu passaporte carimbado com o Bafta de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2009 e nove prêmios no César Awards 2010, a láurea máxima do cinema francês. Também foi indicado ao Oscar (perdeu a estatueta para “O segredo de seus olhos”) e ao Globo de Ouro 2010 na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Tal pedigree garantiu à produção visibilidade suficiente para atiçar a libido do mercado cinematográfico mundial, garantindo a distribuição do longa para os principais polos exibidores.

Carlos Eduardo Bacellar

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